Ezine internacional de cuentos en lengua original.

Ezine internacional de contos em língua original.

Ezine international de récits en langue originale.

Monday 7 March 2016

BABELICUS EM PORTUGUÊS Número 1


Pormenor de Memória das Armadas que de Portugal passaram à Índia (cerca de 1568)


BABELICUS EM PORTUGUÊS
Número 1 - 2016

Apresentamos a primeira edição de BABELICUS em português, que toma o lugar do Pegasus International.
Babelicus está aberto aos escritores de âmbito lusófono de toda a parte do mundo: o site publicará semestralmente os melhores contos e contos breves, entre os recebidos, que cumpram as regras civis de respeito por outras culturas, religiões e ideias políticas. Os autores não perdem os seus direitos autorais.

Podem enviar os seus textos ao correio: Stefano Valente stef.valente@tiscali.it


A hora da liberdade - José Eduardo Lopes *

Uma cerca de arame farpado cerca o campo de refugiados. Pela manhã chega um camião, que desembarca mais refugiados, “refugados” vigiados por soldados de espingardas a tiracolo (uma vez por semana, levam-nos em quatro ou cinco camiões que os confiam a couraçados da marinha que os vão largar num ancoradouro no país deles, um torrão de terra árida na outra margem do Mediterrâneo… pelo menos, é isso que eles dizem…). A comida é distribuída por voluntários com as insígnias da Cruz Vermelha, sacerdotes de várias religiões apascentam alguns prosélitos que procuram conforto espiritual e prazer lúbrico, bibliófilos excêntricos de chapéu colonial procuram sem esperança pessoas que saibam ler esperanto e occitano para lhes emprestarem as sua preciosidades literárias: Racine, Voltaire, Camilo José Cela, Paul Celan, Barbara Cartland.
No meio daquele bulício e atividade, que enche o ar de pequenas partículas de poeira dourada levantadas por sandálias e pés nus, ergue-se, imóvel, o Andorinha, o solitário. Não há pessoas que se aproximem dele, nem deuses ou escritores, e os que distribuem comida nem o chegam a ver confundindo a sua tez esmaecida com a poeira amarelada que paira no ar, e as suas roupas andrajosas com o tecido das tendas. O Andorinha está magríssimo, e a única coisa que lhe pesa nas entranhas é ser o único dos refugiados que sabe o destino dos camiões com as pessoas que carregam ali. Mesmo magro, inerte, infra-humano, Andorinha tem esperança de escapar àquele sinistro destino de viagem. Cada dia, cada hora mais, ele vai ficando mais magro. Não tarda e conseguirá sair dali levitando. Mesmo sem bater as asas. 

José Eduardo Lopes nasceu em Moçambique, de onde se refugiou em Portugal com 13 anos. Os primeiros contos que editou na Web eram inspirados na escrita crua e forte de Raymond Carver. Muitas outras influências se juntaram a esta, com realce para Mário-Henrique Leiria, Borges e Cortázar. As suas histórias vão sendo escritas ao ritmo das ideias e memórias que experimenta, e daquilo que o quotidiano ou a fantasia lhe sugere.
O seu blogue: Estrada de Santiago


Náufragos - Eduardo Oliveira Freire *

Ele queria só se divertir e ela queria fugir da solidão. Quando ele a viu, enxergou seu desejo e quando ela o viu, um refúgio. Beijos, abraços e palavras românticas. Ele a levou para o penhasco que dava para uma ampla visão ao mar aberto. Ela olhou a imensidão do oceano, sentiu-se atraída e quando observou o rapaz a sua frente, sentiu repulsa. Jogou-se do penhasco. Atônito, ele fugiu com medo de ser incriminado. Anos depois, a maturidade o fez entender o que acontecera.
Certos indivíduos são náufragos que só vêem a si mesmos, incapazes de enxergar o outro. Ele e a jovem que conhecera pertenciam a esse vasto grupo.

Eduardo Oliveira Freire, brasileiro, formado em Ciências Sociais e aspirante a escritor. Gere os blogs http://dudv-descarrego.blogspot.com.br e http://cronicas-ideias.blogspot.com.br


Coisas do silêncio - Angela Schnoor *

Quando se mudou para a pequena cidade do interior não conhecia pessoa alguma e não possuía meios de comunicação. 
Sem ter com quem falar, no silêncio, em pouco tempo sentiu-se em paz. Entretanto, para não emudecer e lembrar palavras, passou a cantar dia e noite. Em pouco tempo ganhou fama de louco!


Proteção - Angela Schnoor 

A cada dia, o mundo o ameaçava mais. Na parede branca do quarto pintou uma gaiola. Devagar, abriu a porta e entrou. Assim que fechou a tranca, destruiu o pincel e cantou!

* Angela Schnoor diz de si mesma:
«Nasci no Rio de Janeiro, Brasil, em março de 1944. Estudei e pratiquei a psicologia por mais de 40 anos. Jamais desejei concorrer ou participar de concursos. Como prêmios, a vida me deu duas filhas e alguns netos que me enchem de orgulho e afeto. Senti-me honrada quando amigos que encontrei através da Internet, traduziram e publicaram contos meus. Quase diariamente conto histórias que publico no blog Microargumentos. Além do psiquismo, as imagens me encantam e sinto necessidade de contar o que percebo em cada uma delas, mas não me sinto à vontade para escrever autobiografias.»
O seu blogue: Microargumentos


Mini-sagas - João Ventura *

História trágico-cósmico-fronteiriça

Quando chegou ao fim do universo, o astronauta rejubilou: afinal era finito! Mas a natureza tem horror ao vazio; encostado ao universo havia outro. E o pessoal do SEF exigiu-lhe visto para entrar. Regressou, humilhado, e fez-se funcionário público. Carimbava os vistos aos turistas que queriam visitar o universo vizinho...


Entre a insustentável leveza e o irremediável peso das palavras, a frustração do escritor perfeccionista

Escreveu com palavras leves. O conto escapou-lhe das mãos e subiu rapidamente no ar até se perder de vista.
Recomeçou, usando palavras pesadas. O conto escorregou da folha de papel e afundou-se, irremediavelmente perdido.
Quando, persistente, acabou o terceiro, com palavras de densidade apropriada, já o prazo tinha sido ultrapassado.


Reflexão sobre a carestia da escrita

Precisava de umas palavras para acabar o conto. Fui ao mercado. O governo devia ter mão nisto! Tudo caríssimo! Substantivos, adjectivos... um roubo! E os verbos? Passados, presentes, vá lá, mas os futuros!!!
“Sabe, os futuros andam muito incertos”, justificou-se, profissional, o vendedor. “Embrulho?”
“Não, obrigado, é para escrever já.”


Entre o Dentro e o Fora há sempre uma fronteira, ainda que frágil 

Dizia o Lado De Dentro, orgulhoso: “Eu contenho o início, o ovo!”
“Mas eu incluo todo o universo, menos tu”, retorquia o Lado De Fora, enfático.
“Se continuam, salto daqui abaixo e mato-nos aos três!”, gritou a Casca, desesperada.
Palavras premonitórias: passou a dona da galinha, apeteceu-lhe um ovo estrelado...

* Português, gosta de escrever microcontos, mas por vezes arrisca-se a estórias um pouco maiores... Tem publicado um pouco por aqui e por ali, na Web e em antologias...
O seu terreno preferido é a área do fantástico, mas não se preocupa muito com rótulos, e é um devoto confesso da Fantástica Trindade (Borges, Calvino & Cortázar).
Gosta de livros em papel.


Mínis - Fábia Lavenère *

Tango

Foi então que decidiu que uma aula de tango talvez ajudasse a esquentar seu relacionamento com o marido.
Inscreveu-os. O marido a contragosto, pois para ele tudo estava bem como estava.
Logo na primeira aula, a química que surgiu entre o marido e a professora foi avassaladora.
Ela teve que procurar outro par.
  

Escrever 1

Pegar um pêlo de sapo e fazer virar cheiro de nuvem
Varinha do pensamento letra faz da âncora a pipa.


Escrever 2 

Botar o tijolo com cimento, janela e pintura, morar –me.


Orçamento

Dividia assim: com 70% do que ganhava pagava os deveres e 30% pagava os prazeres. Muitos dos prazeres eram de graça.

* Fábia Lavenère nasceu no Brasil, vive e trabalha no Rio de Janeiro, é artista visual e se interessa muito pelas relações criadas entre palavra e imagem, tem a escrita como atividade paralela ao seu trabalho de arte contemporânea


Dejetos - Angela Schnoor

Já estava na hora do Shopping fechar, mas precisava ir ao banheiro. Início de semana, tudo quase vazio, mas o marido estava viajando e aproveitou a noite para pequenas compras.
No silêncio ecoante do banheiro vazio,  repara na recente reforma quando ouve uma discussão agressiva. Uma mulher chorava e ameaçava. Teve medo. Encolheu-se sobre o vaso sanitário, quase sem respirar. A outra voz parecia de homem. Pensou-se equivocada, pois  o banheiro era exclusivamente feminino e, embora exaltado,  o timbre lhe soava um tanto familiar. Não soube quanto tempo ficou ali, mas procurou sair bem depois que se calaram, ao ouvir a porta fechar.
Coisa desagradável, aquela discussão tão passional.
Chegou em casa e custou a acalmar-se. Conversou ao telefone, mas, só relaxou de fato quando entrou no quarto e viu o marido dormindo entre as cobertas. Aconchegou-se feliz, pois não o esperava tão cedo. Devia estar cansado, pensou. Ela bem que podia ter ficado em casa para recebê-lo...
Pela manhã, acorda cedo e capricha no café da manhã, mas ele sai apressado alegando pendências da viagem.
Na TV, o Jornal da manhã noticia um crime. Ia desligar quando ouve e fica alerta: 'no Shopping' - Mulher encontrada esfaqueada no banheiro.
Estremece. Quase chorando, pede para a vizinha, com quem conversou na véspera, que venha até seu apartamento. Enquanto espera, tenta se recompor e recolhe o lixo para incinerar. O saco rompe ao se prender na maçaneta. Pelo buraco aberto, uma manga de camisa aparece, ensanguentada. 


Juventude - Eduardo Oliveira Freire

Quando Antônio beijou a mulher na boca, viu o olhar de repulsa do neto adolescente. Reconheceu-se nele quando  jovem ao fazer o mesmo diante  de casais de velhos namorando. Compreendeu o neto, pois grande parte dos jovens é conservadora.


Certidão de Óbito - Eduardo Oliveira Freire

Não acreditava que a noiva tinha morrido. Para se convencer, pedia toda semana uma nova certidão. 
Quase um ano depois, pegou o documento e olhou para a jovem funcionária que lhe entregava o atestado todas as vezes. Convidou-a para um café.

3 comments:

  1. Muito boa esta inauguração Babélica!
    Grata Stefano!

    ReplyDelete
  2. Ficou bem bacana! Gostei de ter participado!

    ReplyDelete
  3. Fantástica la presentación y los cuentos. Me encantó aunque no leo perfectamente el portugués... Te felicito Stefano, así como a los buenísimos autores...

    ReplyDelete